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Washington Rodrigues de Oliveira, Auditor do STJD
Por Felipe Virolli

Foto: Arquivo pessoal

Ex-goleiro Marcos posa para foto com Washington Rodrigues de Oliveira, Auditor do STJD.


   É muito comum criticarmos, na condição de torcedores, as decisões dos Tribunais do futebol, principalmente quando consideramos que a punição imposta ao nosso clube é injusta – e muitas vezes é mesmo. Para entendermos um pouco mais sobre o funcionamento deste tipo de órgão jurídico no futebol brasileiro, entrevistamos o Doutor Washington Rodrigues de Oliveira, Auditor do Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD).

   Ranking de Clubes Brasileiros (RCB): Como é a estrutura e como funciona este tipo de órgão no futebol brasileiro?

   Washington Rodrigues de Oliveira (WRO): Existem os Tribunais de Justiça Desportiva (TJD), que são ligados às Federações - como a Paulista, a Carioca e assim por diante - e o Superior (STJD), que é ligado à Confederação Brasileira de Futebol (CBF). Aliás, vale o mesmo raciocínio para os outros esportes também, ou seja, cada modalidade esportiva tem os seus Tribunais ligados às suas respectivas Federações e o seu STJD ligado à respectiva Confederação. No caso do futebol, o STJD é uma entidade administrativa, é custeado e vinculado à CBF, mas tem uma natureza sui generis, que lhe confere uma autonomia própria de funcionamento. Portanto, em algumas situações não há ingerência da CBF.

   RCB: Como você se tornou membro do STJD?

   WRO: Existe um processo de escolha. Funciona de modo bem parecido com o Supremo Tribunal Federal (STF), onde o presidente indica e a pessoa é sabatinada no congresso para ser aprovada. No caso do futebol existem algumas entidades que indicam. Para ser membro do Pleno tem a indicação do procurador-geral, na composição dos tribunais existem membros indicados pelos atletas, pelos árbitros, pelos clubes, pela CBF, pela OAB, enfim, existe toda uma composição com relação a isso.

   Advogados ligados a essas entidades e sindicatos relacionados ou que circulam ao redor do esporte estão mais propensos a serem indicados. No meu caso, sempre gostei de esportes, mais especificamente de futebol e sou membro do Sindicato de Atletas (http://www.sindicatodeatletas.com.br), mas não fui indicado por um órgão específico. No Pleno tem essas entidades que indicam, mas depois existem também as listas tríplices, para compor as votações. Então eu fiz parte de uma lista tríplice e fui escolhido para compor uma Comissão. Aí pela minha vinculação com os atletas, com o Sindicato e principalmente por ter participado do Tribunal, fui incluído como membro do STJD.

   RCB: Muitos apaixonados por futebol dizem que “o que acontece no campo deve ficar no campo”. Avançar a lógica jurídica e burocrática sobre o terreno sagrado do futebol não o deixa um esporte mais chato?

   WRO: Algumas decisões do Tribunal ou boa parte delas não são unânimes. Eu, particularmente, sempre fui um dos mais ferrenhos críticos com relação a essa questão de reanalisar alguns lances em que o árbitro viu e aplicou alguma punição dentro de campo.

   Eu sou favorável a analisar lances em que o árbitro não viu ou não tinha condições de ver durante o jogo. Agora, quando o arbitro viu, penso que não cabe reavaliarmos ou julgarmos se a punição dada em campo foi branda ou não. Poderia até se pensar em punir o árbitro, mas não reanalisar um lance em que já houve uma punição dentro do campo. Essa é a minha posição, mas tem pessoas que pensam diferente e que entendem ser necessário reanalisar tudo isso. Já eu sou adepto à frase que você mencionou. Então, se o árbitro errou, para o bem ou para o mal, não importa, isso deveria ficar no campo. Se existe a possibilidade de você punir uma situação que passou desapercebida dentro de campo, tudo bem, mas não concordo em reanalisar um lance em que o juiz já tomou alguma decisão, seja ela rigorosa ou branda demais.

   RCB: Como funcionam os julgamentos no STJD? O voto do presidente tem um peso maior?

   WRO: Existe o Pleno, que tem o funcionamento mais voltado às entidades, e cinco Comissões Disciplinares, que julgam os processos, que são distribuídos aleatoriamente. Essas comissões são compostas por cinco membros e não é comum ocorrerem ausências, portanto os empates também não são muito comuns.

   Em caso de empate, eu não me recordo exatamente em quais circunstâncias, mas o voto do presidente pode ter um peso maior. É o que chamamos de “voto de Minerva”. Mas isso é somente em algumas situações bem específicas. De modo geral, todos os votos têm o mesmo peso e cada um tem a liberdade de votar de acordo com o seu entendimento.

   RCB: Então não é a mesma Comissão que julga todos os casos semelhantes?

   WRO: Não. Conforme eu falei anteriormente, os processos são distribuídos aleatoriamente e cada Comissão tem um entendimento sobre determinado assunto. Existem algumas comissões que têm uma postura mais dura, outras mais branda, outras mais técnica, então cada uma tem sua percepção com relação aos casos.

   RCB: Recentemente, tivemos o jogador Valdivia, do Palmeiras, punido de maneira inédita por ter admitido “forçar” um cartão amarelo. Você concordou com essa punição?

   WRO: Inclusive, foi a minha Comissão que julgou este processo, mas eu não participei (risos). Naquele dia, tive uma audiência em São Paulo e tomei posse na Comissão de Direito Desportivo da OAB.

   Eu respeito a opinião deles, mas não concordo. Já teve outras situações em que eu julguei casos parecidos e absolvi os atletas. Eu entendo que (forçar o cartão) é um recurso que o atleta tem disponível e, na minha opinião, não tenho por que puní-lo. Não estou entrando no mérito se é uma atitude correta ou não. Estou falando que é algo comum no futebol e no esporte como um todo. Por exemplo: Às vezes no basquete, e até mesmo no futebol, é muito comum o técnico falar pro atleta : “faz a falta, faz a falta, que o jogo já está acabando”. Essa não é uma atitude antidesportiva?

   Então, se você levar tudo a ferro e fogo, quase tudo será passível de punição. Portanto, em casos assim, eu relevo, e entendo como incabível punir esse tipo de situação, mas respeito quem pensa diferente.

   RCB: Então casos idênticos podem ter desfechos diferentes no STJD?

   WRO: Sim, pois os processos são distribuídos aleatoriamente e cada comissão tem os seus membros. Pode ser que um processo seja julgado por uma comissão cuja maioria dos membros têm o mesmo entendimento que eu sobre o assunto, então o jogador será absolvido. Pode ser que venha para a mesma comissão que julgou o Valdivia, da qual eu faço parte, e eu vote pela absolvição do jogador e os outros quatro membros votem pela condenação, daí eu serei voto vencido e o jogador será punido. E pode ser que alguém mude de opinião e o jogador seja absolvido.Enfim, não posso falar pelos outros. Eu tenho a minha opinião e em casos assim eu sempre votei e pretendo continuar votando pela absolvição dos atletas.

   RCB: Aplicar uma punição diferente para casos semelhantes não pode dar margem à interpretações de que o STJD é clubista ou bairrista?

   WRO: O futebol envolve paixão e o critério de justiça em casos assim é algo extremamente subjetivo. De modo geral, a justiça pro torcedor é quando ela favorece o clube dele. Quando a decisão é contrária, ele acha que aquilo é injusto.

   Atualmente o Tribunal maior do país, que é o STF, está numa discussão há quase um ano e não consegue chegar num consenso. Para alguns de seus membros, existe uma situação clara de absolvição. Para outros, existe uma situação clara de condenação.Usei este exemplo para ilustrar o quanto é difícil existir consenso quando se trata de relações humanas e subjetivas, como é a justiça. Há uma divergência natural sobre um mesmo tema.

   Tenho opinião sobre determinados assuntos, mas já aconteceu de eu mudar de ideia. Como diria o Raul Seixas, “eu prefiro ser essa metamorfose ambulante, do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo”. Então isso tudo faz parte da evolução da sociedade e cada um tem uma diretriz. O que eu procuro é deixar a minha diretriz clara. Portanto, quando você deixa claros os seus princípios, o seu entendimento, fica mais fácil para justificar algumas decisões. E eu procuro manter a coerência.

   RCB: A TV pode influenciar, de alguma maneira, nos julgamentos do STJD?

   WRO: Não, de modo algum. Nem a TV, nem os clubes e nem a CBF interfere nos processos. Cada membro tem a liberdade para expressar e votar de acordo com o seu entendimento.

   RCB: O Tribunal vem acumulando um poder considerável e até mesmo as entrevistas dos jogadores estão ficando cada vez mais chatas, pois eles têm medo de serem punidos por falarem algo no rádio ou na TV. Qual o limite do STJD? Até onde o Tribunal pode e quer chegar no futebol?

   WRO: Essa é uma questão de posicionamento. Nas manifestações públicas dos jogadores ou treinadores, algum membro do Tribunal pode entender que tal declaração ou atitude vai contra o órgão, que aquilo atinge a honra de alguém, ou alguma outra coisa que é subjetiva com relação ao tribunal, ou à entidade, etc.

   Eu tenho uma posição mais branda com relação a esse tipo de situação. Na minha opinião, as pessoas têm liberdade para criticar as coisas, e quando essas críticas não são mentirosas, ostensivas ou ofensivas, eu as considero válidas. Ninguém cresce ou amadurece sendo elogiado e sim quando é criticado. As críticas é que te fazem parar para pensar se está fazendo a coisas certas, se está sendo justo ou se é hora repensar os conceitos.

   No ano passado, teve um caso envolvendo o Atlético Mineiro, em que a torcida colocou algumas faixas no estádio criticando o Tribunal e conseqüentemente os membros do Tribunal. Neste processo eu fui o relator e acabei absolvendo o clube de eventuais penas que poderiam ocorrer. Então essa questão do limite do Tribunal depende muito do que aconteceu e de quem vai julgar o processo.

   E eu entendo que se tenho um cargo público, estou sujeito às críticas. É preciso ter maturidade para aceitar isso, sem a necessidade de se colocar numa condição de tentar coibir ou censurar esse tipo de situação. Desde que a crítica seja ponderada, não vejo problemas. Eu procuro discutir a questão quando a pessoa tem uma formação jurídica, quando é necessário esclarecer alguns aspectos jurídicos, mas bater boca com torcedor, discutir essa questão de justiça é complicado, pois ele vê essa questão de justiça vinculada à paixão dele pelo clube. E é difícil separar o aspecto do que é justo para o aspecto do que é legal, porque nem sempre o que é legal é justo e nem sempre o que é justo é legal.

   RCB: E quais os resultados práticos dessa atuação cada vez mais constante do Tribunal? Ele é necessário ao futebol?

   WRO: Claro que é necessário. O Tribunal também erra, tem pessoas que erram, que acertam, mas até mesmo as que erram estão lá para tentar acertar.

   Se você parar para pensar que há alguns anos você tinha situações em que o atleta entrava pendurado por cartão amarelo na primeira final de um Campeonato Brasileiro, e para não ter de cumprir a suspensão automática pelo acúmulo de cartões acabava “forçando” o vermelho de propósito para o clube recorrer a um efeito suspensivo, vai ver que essa questão, se ainda não é a ideal, evoluiu muito. Se não estou enganado, isso aconteceu com o Edmundo, quando ele estava no Vasco, e foi contra o Palmeiras, em 1997.

   Então tinha a situação que ele tinha tomado o amarelo, e teria que cumprir suspensão pelo acúmulo de cartões, e se tomasse o vermelho poderia obter um efeito suspensivo para jogar o jogo seguinte. Foi uma situação em que ele acabou “cavando” a expulsão, posteriormente conseguiu o efeito suspensivo e jogou a partida decisiva.

   Hoje ainda existem situações que podem não ser ideais, mas houve avanço nesta questão. Atualmente as coisas são muito mais claras e bem mais discutidas, por isso passa a impressão de que o Tribunal adquiriu um poder muito grande. 

   Tem também a questão de dentro do estádio. Quando os clubes começaram a ser punidos por conta dos torcedores que arremessavam objetos, os próprios torcedores começaram a identificar, a cobrar e a dedurar aqueles que arremessavam objetos no gramado. Então houve mudanças positivas com relação a isso. Já em jogos da Libertadores e da Sul-Americana, por exemplo, os clubes brasileiros vão jogar em outros países e a polícia tem que usar os escudos para proteger os atletas quando estes cobram escanteios ou laterais. Isso é um absurdo e só mostra que neste ponto nós evoluímos, enquanto eles ficaram estacionados no tempo. Então neste aspecto houve uma melhora significativa.

   RCB: Por que muitos jogadores e clubes são punidos num primeiro momento, depois conseguem um recurso/efeito suspensivo e no fim das contas têm as penas diminuídas ou revertidas?

   WRO: Na justiça existem as chamadas instâncias. Ás vezes a primeira instância julga de uma forma, a segunda pode julgar de outra ou pode julgar da mesma forma e chega no Supremo e eles julgam de outra forma. São relações humanas e aspectos subjetivos. Eu dou aula em faculdade e costumo falar com meus alunos: “Se sairmos à rua e testemunharmos um atropelamento, cada um terá uma percepção. Vai ter gente que vai falar que o motorista do carro foi o culpado, pois estava em alta velocidade, outros vão falar que o pedestre se jogou em cima do carro, outros vão falar que o motorista do carro estava aparentemente bêbado, outros podem falar que o pedestre é que estava aparentemente bêbado”.

   Então cada pessoa vai ter uma ótica ali, sobre determinado fato. E a justiça é isso. Nada mais é do que a observação que cada pessoa faz sobre uma determinada situação. Independente de termos juizes no STJD, somos humanos. Eu posso ter uma visão em relação a um aspecto, que me é claro, e outras pessoas podem não achar tão claro. Por isso que boa parte das decisões nunca são unânimes. No caso do Aparecidense e do Tupi (leia mais aqui: http://www.lancenet.com.br/minuto/Aparecidense-Tupi-massagista_0_994100735.html) eu votei para que o clube fosse desclassificado e o presidente da comissão votou contra, porque foi o entendimento dele.

   Algumas pessoas podem entender que a decisão foi errada, mas eu tenho convicção de que foi a melhor decisão, tanto na questão de justiça como na questão legalista. E existem subsídios para eu julgar dessa maneira. Não é uma questão de achismo ou de qualquer outra coisa. Pode ser clube grande, pequeno, jogador brasileiro, chileno, argentino, enfim, a punição, se necessária, tem que ser aplicada da mesma forma.

   RCB: Até para evitar tantos desdobramentos, a legislação esportiva não poderia ser mais objetiva, sem dar direito a tantos recursos ou instâncias?

   WRO: A Lei também não pode ficar mudando toda hora. Ela precisa ser aprimorada em alguns aspectos, e salvo algum engano, desde a Lei Pelé, de 1998, já ocorreram três ou quatro alterações. Então toda hora tem alguma coisa nova ali, e se mudar toda hora, depois vai ter coisa que vamos querer voltar ao que era antes, então fica mais complicado.

   Por exemplo: Com relação aos jogos com portões fechados. Alguém viu isso em algum movimento na Europa e aí implantamos esse tipo de punição aqui no Brasil. Depois entenderam que não deu certo, e tudo voltou a ser como era antes. E agora querem denovo ter a possibilidade de jogos com portões fechados. É uma discussão que não acaba nunca. E ficar mudando toda hora é ruim, deixa tudo mais complicado.

   Além disso, a luta entre o legal e o justo é sempre constante, por isso tem as mudanças legislativas. Ás vezes você quer atingir o justo, mas a legislação não contempla alguma coisa. E por mais que se melhore a legislação, sempre vai ter alguém entendendo que aquela situação é injusta. Geralmente a pessoa ou a entidade que é condenada sempre se sentirá prejudicada.

   Então você acaba circulando entre o que é costume, o que é justo, o que é legal, o que moral e o que é ético. E todas as situações de conflito estão ali. A questão do que é moral e do que é legal estão sempre em conflito.

 

 

Veja também: Em entrevista ao RCB, Juca Chaves fala do seu amor pelo futebol e pelo São Paulo F.C.

 

 

 

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